terça-feira, 3 de outubro de 2023

O Início de uma Jornada

 As trevas ainda dominavam o horizonte quando Andivari e Vladislav acordaram. Depois de um rápido desjejum, selaram os cavalos e tomaram rumo ao alto da colina. Subiam sem pressa, ainda meio sonolentos. Quando estavam no meio do caminho, surgiram os primeiros raios avermelhados de Álax, a estrela que ilumina Eralfa, trazendo o calor de um novo dia. O ar estava umidificado devido à chuva do dia anterior dando um prazer agradável a Andivari quando ele enchia os pulmões de ar. Atrás dele vinha Vladislav, com o olhar sombrio mesmo diante de um dia que prometia ser agradável. Andivari demonstrava ter certa preocupação com o amigo. “_ Já faz tantos anos…” - Pensava Andivari.” _ Qualquer homem já teria superado sua perda, seja ela qual fosse.”

 Alheio aos pensamentos de Andivari, Vladislav cavalgava em silêncio. Nem mesmo a luz do dia afastava dele seu semblante sombrio. " Tenho que tentar…” Pensava consigo. “_Se a morte anda sempre ao meu lado, devo buscar meus inimigos. Assim levarei a morte até eles”.

_ Alto lá… Quem são vocês? Uma voz feminina, mas potente cortou o ar tirando Vladislav de seu devaneio filosófico. A moça de aparência bela, mas rude, tinha em suas mãos uma espada recentemente afiada e sobre seu corpo um vestido feito de pele de carneiro cobria-lhe as curvas femininas.

Viemos ver Aroc, o ferreiro. - Disse Andivari observando a moça que acreditava ser a pequena garotinha que conhecera no passado.

Meu pai não exerce mais a profissão. Se desejarem os serviços completos de um bom ferreiro eu sugiro irem até a capital. Mas caso seja apenas um pequeno reparo, eu posso fazer por um preço justo, claro.

Na verdade, não estamos atrás dos serviços de um ferreiro. Eu vim a pedido do próprio Aroc. Você deve ser Verbena, estou correto? Sou Andivari e este comigo é Vladislav.

A moça olhou os dois homens com um olhar cético por alguns instantes e então disse:

_Sim, sou Verbena, filha de Aroc. Perdoem-me, mas somente agora reconheci o seu amigo. Ele mora colina abaixo, não é mesmo? Lembrei-me dele. Ele foi uns dos que vieram ajudar meu pai no último ataque que sofremos. - A tristeza pareceu abater sobre a moça por um momento. 

Na ocasião meu irmão faleceu, mas sou grata por todos que vieram nos socorrer.

Lamento por sua perda Verbena. Disse Andivari se compadecendo da jovem.

_ Pois eu tenho lamentado aqueles infelizes não aparecerem aqui de novo. Agora estou armada com a antiga espada de meu pai e tenho treinado todos os dias. Não sou mais a garotinha indefesa e em apuros que eles encontraram naquele dia.

A jovem possuía um ódio nas palavras e uma determinação nos movimentos que brandia com a espada. Ainda que desajeitados. Andivari começava agora a entender quem Aroc gostaria que ele treinasse.

Vamos garota, nos leve até seu pai. - Disse Andivari com um sorriso no rosto. _ Aroc terá muito que me explicar, a sim.

Álax, o luminoso astro que aquecia os dias, já estava no centro do céu quando eles chegaram à cabana no alto da colina. Era uma cabana antiga. Feita com grandes toras de carvalho e o teto coberto com placas de metal. Uma parte onde ficava a chaminé havia sido feita com pedras sobrepostas umas às outras. Quando encontraram Aroc, ele estava acamado. Com uma barba enorme que lhe caía até o umbigo. Seus olhos semicerrados estavam com marcas de cansaço e dor. Dois aprendizes tentaram ajudá-lo a se sentar na beira da cama. Andivari lamentou em seu íntimo ver o amigo naquela situação.

_Andi… vari, seu filho duma…cof… cof… ratazan…a …cof! Exclamou Aroc forçando a voz em meio a tosses e palavras. Quando Andivari percebeu que o velho se esforçava para se erguer, correu até a cama onde Aroc estava.

_ Não se esforce por minha causa cão de guerra. É muito bom revê-lo. Disse Andivari abraçando o amigo.

Cuidado com. Cof…cof…minhas costas filho. Já não sou mais o mesmo… cof…cof…! Anos de dedicação ao reino e eis minha recompensa. Tenho que dormir em minhas próprias fezes…

Só quando o seu orgulho fala mais alto pai. Resmungou Verbena.

_ Você não entende minha querida…cof …cof… Já não basta o tormento das dores, tenho que ficar vendo minha própria filhinha tendo…cof…que…cof…me limpar? A angústia estava estampada no olhar do velho. _ Prepare algo para nós comermos minha querida. Deixe-me falar com esse velho amigo por um momento. Verbena fez uma reverência aos três e saiu às pressas em direção à cozinha.

Ela é uma boa garota. Os deuses bem sabem. E quem é esse jovem? Cof..cof…

_ Esse é Vladislav, meu aprendiz.

_Que os deuses te guie no caminho da justiça meu jovem… cof…cof… pois estás com o melhor professor. Lembro-me de você… você esteve aqui quando…cof…cof…cof …Argh… Maldita tosse.

_ Não remexa no passado meu senhor… Nem sempre ele nos traz boas recordações. O que passou, deveras já é passado. - Disse Vladislav.

_Sim. Mas às vezes o passado nos atormenta. Acredito que estou pagando por todas as vidas que tirei no campo de batalha.

Lutamos por uma causa justa meu amigo. Não se condene pelos seus leais anos de serviço ao rei. - Disse Andivari.

_Iévine não é uma deusa adepta da justiça. Ela é a deusa da vida. Quando… cof…cof… Tiramos alguma vida ela afasta de nós seus…cof…cof…olhos. Deixando-nos à mercê da ira de Bël-Teâncum. Lamuriou o velho Aroc. Mas, deixemos de lado a conversa vã. Quero que você cuide da minha menina Andivari. Ensine ela a lutar. Cometi o erro de acreditar que…cof…somente os homens deviam se preparar para o combate, mas as pragas de Bël não escolhem suas vítimas pelo sexo. Leve-a contigo em tuas andanças. Eu em breve morrerei. Não quero minha… cof…cof…garotinha ao meu lado enquanto irei me definhar aos poucos. Ela sabe cozinhar bem…

_Mas, quem… - Andivari começou a pronunciar as palavras, mas parou quando viu o olhar desesperado e aflito do velho.

_Por favor, Andivari… Se eu pudesse recorrer a outro eu recorreria.

Tudo bem, meu amigo. Fez bem em me procurar. Só assim poderei retribuir as tantas vezes que salvou minha vida no campo de batalha. Estou mesmo indo até os festejos de Stavianath, na cerimônia de escolha do marido da princesa Kathrina e seria bom que Verbena viesse conosco. Vamos acompanhar a caravana do príncipe Gamblior.

_ Obrigado meu amigo. Muito obrigado. Verás que Verbena não é totalmente laica com a espada. Meu falecido filho costumava ensiná-la às escondidas. Graças aos deuses ele cof…cof…cof…era mais sábio que eu. Teimoso sim, porém sábio.

Naquela noite todos se alimentaram do guisado que Verbena fizera. Os dois dias que passaram foram cheios de histórias e momentos agradáveis. No dia da partida Verbena chorou ao se despedir do pai, mas estava contente, pois o pai tinha uma expressão feliz que há muito tempo ela não via. Em seu íntimo, ela sabia que o velho homem queria morrer sozinho seguindo sua antiga crença de que sozinho veio ao mundo e sozinho deveria partir. Assim um homem deveria morrer se um campo de batalha não tivesse tomado seu corpo durante a vida. 

Os três viajantes desciam a colina cavalgando três belos cavalos que os aprendizes de Aroc tinham trago. Lá embaixo podia se ver uma enorme cavalaria ao redor da carruagem real e mais atrás uma caravana enorme de viajantes e comerciantes que seguiam o séquito real.


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