Essa estória se passa após os acontecimentos da estória "Na beira do fosso."
O jogaram em uma cela
fria. Sem cama ou coberta. Apenas um chão duro feito mármore como cama. Tinha
uns três metros de largura por dois de comprimento. No fim da cela havia uma
latrina cheia de moscas que exalava um cheiro horrível.
Gamblior estava com a
garganta ressecada por causa da sede. Caminhava atrás da milícia de Crane e seus
irmãos. Atrás de si a tropa de Stavianath se estendia. Para onde olhava via
olhares revoltosos e ouvia insultos de ambas as partes. Vez ou outra Durkan
olhava para trás com os olhos vermelhos e raivosos. Mas, Gamblior obsevara uma
pequena mudança naquele olhar. Uma sombra pairava no rosto de Durkan. Uma
sombra de dúvida.
Durante grande parte
da jornada Gamblior caminhou com fome e sede. Não lhe davam alimento. E apenas
no fim da tarde permitiam ele saciar um pouco da sede. Era Adrien, o irmão mais
novo de Crane que lhe entregava o cantil. Mesmo sob os protestos dos outros
dois irmãos.
“_Esse infeliz matou nossa irmã, Adrien. Como
pode ter compaixão desse maldito?” _Praguejava Crane.
“_Nosso pai quer que
ele tenha um julgamento, Crane. De nada adiantará leva-lo ao tribunal de
Stavianath se ele chegar lá morto.”
_Obrigado. Falou
Gamblior após solver sofregamente cada gota d água que lhe fora dada.
_Não pense que me
apiedo de ti cão. Apenas não quero que morra de sede. _Respondeu rispidamente
Adrien.
_Da próxima vez lhe
daremos urina para beber, porco. _Insultou Cron cuspindo-lhe na face.
Gamblior jamais havia
sido tão humilhado em sua vida. Acostumado com os cortejos da realeza, ele
sentia se indignado por ser tratado daquele jeito. Mesmo se ele fosse culpado
acreditava que nenhum homem poderia ser tão humilhado. Principalmente um homem
com sangue nobre nas veias. Para a infelicidade de Gamblior, os stavianathos
não diferenciam nobres ou plebeus na hora de serem rígidos com seus
prisioneiros.
Ao chegar à cidade,
muitos cortejaram os príncipes e seus soldados por terem capturado Gamblior.
Todavia quando se dirigiam a Gamblior era com insultos ou para remessar coisas
em sua cabeça. E pensar que dias atrás esse mesmo povo o saudava calorosamente.
“_Assassino...” “Matem esse cão.” _Gritava a multidão. Os soldados tiveram que
fazer uma barreira para impedir que a multidão agarrasse Gamblior e o matassem
ali mesmo.
Gamblior não sabia quanto tempo havia passado desde
que chegara. A cela dava frente para um longo corredor por onde havia uma
galeria de celas e nenhuma delas tinha janelas por onde pudesse entrar a luz.
Se fosse dia ou noite, nenhuma diferença fazia para ele. O frio noturno trouxe
lhe uma febre que quase o matou por duas noites seguidas. Às vezes adormecia e
sonhava com Kathrina. No sonho ela o chamava pelo nome. Ela corria por um
bosque verdejante e ele corria atrás. Seu vestido azul esvoaçava ao vento e ela
sorria alegremente. Ele também corria atrás dela rindo E quando ele a alcançava
e a puxava para seus braços ela estava com um olhar aterrador. De medo e pavor.
Seu vestido azul começava a encharcar se de sangue até ficar totalmente
vermelho e então ela pendia de seu corpo como se tivesse partido ao meio.
Gamblior acordava gritando e suando frio.
Certa vez o rei
Cronder foi ter com ele. Apesar de velho, o rei sempre tivera um porte ereto e
viril. Porem agora ele andava cabisbaixo e fraco. Seus olhos estavam fundos em
suas cavidades e uma sombra pairava sobre sua face. A sombra da angustia e do
luto.
_Ela o amava. Você
sabia disso? Resmungou o rei. _Eu só queria salvá-la. Não sei por que não
mandei mata-lo assim que Lecain me advertiu do destino de minha filha perto de
você. Não quis acreditar... acho. Será que você e teu pai queriam apenas um
motivo para guerrear? Quando decidimos comercializar o Tolnd com os habitantes
de Turom vocês ficaram assim tão ofendidos?
“SE QUERIAM GUERRA VOCÊS CONSEGUIRAM!” Explodiu o rei em ira
subitamente.
_Eu também a amava.
Disse Gamblior. _Eu não a matei e sou inocente de suas acusações. Não lhe
ocorreu que esse assassinato pode ter sido um plano de Durkan, o Cananor, para
me incriminar e ao mesmo tempo vingar de sua filha por não lhe corresponder o
amor como ele tanto queria?
_Durkan quase morreu
tentando defender minha filha. Seu peito possui uma cicatriz que ele jamais
poderia infligir a si mesmo. E muitos viram você fugindo da cena do crime na
calada da noite. Quando os soldados foram ao seu encalço você e sua comitiva já
tinha fugido.
_Eu havia anunciado
que partiria pela madrugada, Cronder. E assim o fiz.
_Era para ser um dia
feliz. Lamuriava o rei. _O aniversario de minha filhinha. O dia em que ela
escolheria um esposo. Para amá-la e protege-la. Como os deuses foram cruéis
comigo. Como foram cruéis. Agora ela encontra-se em uma câmera fúnebre. Pronta
para ser cremada. E nem poderá ser vista pelo seu povo uma ultima vez.
_Por quê? Eu não
entendo. Questionou Gamblior
_Não entende? Como
você pode ser tão cruel. E pensar que eu te vi quando eras apenas um garoto.
Jamais pensei que se transformaria nesse monstro. O que você não entende seu
animal? Não entende que seu golpe a deixou irreconhecível? Que o lindo rosto de
minha filha agora não passa de uma figura disforme e vermelha?
_EU NÂO A MATEI. EU
JAMAIS FARIA ISSO. EU A AMAVA. Explodiu em loucura Gamblior caindo em prantos
logo em seguida.
_Não importa. Disse
calmamente o rei. _Meus filhos agora marcham com o exercito de Stavianath para
pelejar contra teu pai. Ao que parece os caminhos das cordilheiras não são mais
tão bem vigiados como antigamente. Agora dentro de seis dias você será julgado.
Ao que me parece um lendário guerreiro de sua terra natal também acredita em
sua inocência. Um guerreiro do qual eu não possuo suspeitas. Pois todos sabem
de sua imparcialidade diante de assuntos políticos. O único que teve a coragem de
jogar a verdade na cara de teu pai quando foi preciso...
_De quem está
falando? Indagou Gamblior enxugando as lágrimas.
_Falo de Andivari,
homem sem reino. Ele e mais dois estão dispostos a buscarem a prova para
inocentá-lo. _Não somos os bárbaros que
os outros povos acreditam que sejamos. Todos possuem o direito de defesa. Até
mesmo o assassino de minha filha. Se esse guerreiro está disposto a defendê-lo
eu devo permitir. Ele possui seis dias para ir atrás do único que poderia
inocentá-lo. O bruxo Lecain. Somente ele pode ver através do tempo. Seja ele
futuro ou passado. Porem ele saiu para seu retiro anual na floresta. Soube de
um prisioneiro que conhece bem as florestas. Vou enviá-lo para ser guia
daqueles que advogam sua causa. Não faço isso por ti. Mais pela criança que um
dia você foi. E porque mais do que ninguém, eu quero saber a verdade.
O rei afastou da
grade deixando Gamblior com um olhar ansioso. Logo em seguida soldados passaram
pela cela levando um jovem prisioneiro com eles.
_Esperem. Gritou
Gamblior.
Quando os soldados
pararam surpresos Gamblior pode notar o prisioneiro. Ele possuía cabelos
cobreados e orelhas levemente pontiagudas. O olhar amendoado e as feições
afinadas o denunciavam. O prisioneiro era um mestiço. Filho de humanos com os
senhores do ar.
_Qual o seu nome?
Perguntou Gamblior ao prisioneiro que era levado pelos soldados.
_Quem lhe deu o
direito de fazer alguma pergunta cão insolente. Vociferou um soldado para
Gamblior.
_Sou Gamblior, filho
de Fandron. E apesar de estar sendo acusado de assassinato, quando minha
inocência for provada não irás querer que eu tenha más lembranças de ti
soldado. Gamblior se ergueu majestosamente e por um momento os soldados tiveram
a ilusão de que ele estava liberto.
O Jovem prisioneiro
respondeu: _Sou Guntz, Vesser Guntz, senhor.
_Diga a Andivari e
seus companheiros, Vladislav e Verbena que eu agradeço. Guie-os bem por onde
quer que vá, meu jovem. São boas pessoas que eu tive o prazer de conhecer nos
dias festivos dessa cidade. Antes de toda essa loucura. Guie-os bem e terás
minha terna amizade.
_A amizade de um
prisioneiro não me vale nada meu senhor. Falou Guntz com um gracejo na voz. Mas
o ouro recompensador de um príncipe inocentado é bastante motivador.
_Vamos andando
imbecil. O guarda puxou Guntz que saiu aos tropeções.
_Hei... Vá com calma
seu pulguento!
Enquanto eles se
afastavam deixando Gamblior novamente com a escuridão, uma luz de esperança
surgia na sua mente. Ele conhecera Andivari e seus amigos nos dias de festas
antecedentes ao trágico ocorrido. Andivari é um nobre guerreiro. Justo e leal.
Amigo de vários reis e respeitado por todos eles. Inclusive por seu pai.
Beberam juntos e conversaram muito. Vladislav demonstrou ser um bravo
guerreiro. Desconfiado de tudo, todavia, bondoso por trás daquele olhar
abrutalhado. Verbena era uma donzela que poderia ser facilmente confundida com
uma guerreira do norte. Apesar de manejar a espada melhor do que muitos homens
que conhecera, ela havia ficado muito feliz quando ganhara um belo vestido para
ir ao evento festivo. Feliz como qualquer donzela ficaria. “_São boas pessoas.”
Pensava Gamblior enquanto se encolhia num canto da cela tentando se aquecer.
“Nessas pessoas estão depositadas a minha esperança de sair vivo deste lugar e
vingar a morte de minha amada Kathrina.”
Certos momentos o
frio aumentava. Acreditava que era nesses momentos que caía a noite.
Vesser Guntz, o desonrado?!
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