quarta-feira, 30 de julho de 2014

Nem mesmo a morte...

O dia amanheceu cinzento mais do que de costume. Fandron acordou com a sensação de despertar de um pesadelo. Por várias vezes uma sensação de desespero invadia sua mente. 
“_Meu filho está morto. Meu amado filho.” _ O pensamento não lhe saía da cabeça como se fosse as únicas palavras que conhecia. A imagem do mestre mensageiro entrando na sala do trono com o rosto pálido e entristecido ainda estava fixa em sua mente. Não sabia que horas fora dormir, mas o sono não lhe trouxe descanso.
Fandron estava em silencio diante da mesa. Sequer tocara na comida. Seus generais falavam eufóricos sobre como deveriam vingar a morte do príncipe. Alguns defendiam a ideia de um ataque frontal e maciço aos muros das principais cidades. Outros diziam para terem cautela, pois os exércitos Stavianathos estavam avançando em direção ao reino. Vinham pela “estrada verde”, passando pelas bordas de Linéfil.
_Alguns aldeões para lá da cordilheira relatou-me que os povos selvagens estavam migrando para as montanhas. Isso quer dizer que realmente um grande exército está avançando. _Comentou Helmer, um dos generais mais velhos na mesa. O rosto severo e duro feito pedra não escondia lhe a preocupação estampada na face.
_ Logo estarão no caminho das montanhas._Fez notar Fayder, o mais robusto dentre eles.
 _Devemos levar nossos melhores homens para lá e quando eles chegarem, nós já estaremos os esperando com as laminas prontas para lhes cortarem a carne.
_As estradas das montanhas possuem vários pontos elevados com nossos arqueiros devidamente posicionados. Não tem como eles passarem por lá.
_Eu discordo, Rycon. As flechas uma hora hão de acabar e aí será questão de tempo ate matarem todos os arqueiros. Devemos é enviar nossos homens para a estrada das montanhas e a atravessarmos para atacá-los antes que eles cheguem até ela. Ganharemos com isso a vantagem do terreno elevado. _ Berrou Fhuegor enquanto um fio de licor lhe escorria sobre a barba loura e espessa.  
O rei observava seus generais discutirem seus planos sem nada dizer. De alguma forma ele sabia que aquele dia chegaria. O dia em que teria de encarar a consequência de suas escolhas sem poder fazer nada a respeito. Quando se levantou da mesa seus generais o encararam assustados.
_Desculpem-me companheiros, continuem sem mim. Preciso descansar, pois não dormi bem esta noite.
O que se seguiu foi uma abundância de cumprimentos e formalidades por parte dos generais.
O rei saiu do imenso salão em direção as galerias leste. As galerias leste eram poucas vezes visitadas, pois ficavam em uma parte aonde o brilho de Álax não chegava devido à sombra projetada da grande montanha ao fundo do castelo. O rei caminhou por entre as frias fileiras de colunas feitas de mármore e com detalhes em Tolnd prateado. Olhava para os lados como quem se certifica que não está sendo seguido. Fandron passou por umas nove colunas depois que atravessou o portão principal e caminhou uns vinte passos em direção ao imenso jardim que se estendia a sua frente parando logo em seguida, aos pés de uma imensa pedra cristal que brotava do chão por entre flores rasteiras e gramas verdejantes.
_É verdade? Meu filho está morto?_ Perguntou o rei em voz alta.
Logo um vulto apareceu no jardim revelando em seguida à presença de um homem esguio coberto por um manto verde musgo. Seus olhos eram sombrios como os olhos dos homens do deserto e suas feições possuíam o ar de superioridade dos estudiosos da bruxaria.
_Tu já sabes a resposta, caro rei. _Disse o homem afagando a escura barbicha. _O preço lhe foi cobrado. Sim seu filho está morto. Seu filho está morto mais o outro ainda vive. O seu herdeiro legitimo ainda vive. Ele sempre viveu. E agora que o destino acertou suas engrenagens, ele se tornará uma lenda.
_Não sei se posso chamá-lo de filho. Não o vi crescer. Não compartilhei suas alegrias e tristezas. Não o ensinei a lutar ou até mesmo a moldar o Tolnd.
_Mas irá chamá-lo de filho. Sim. Tu irás. E ele liderará teus exércitos rumo à vitória. Você esmiuçara Stavianath e a terá aos teus pés. Irás controlar todo comercio de armamentos e ornarias em metais. Hellin-Odel será o reino mais rico do continente. Pois assim o prometi e assim será.
Assim como apareceu o misterioso homem se foi. Como um vulto ou uma ilusão que nunca realmente existiu.
Quando Fandron se deu por si, ele estava ajoelhado apoiando sob o cabo de sua espada. Uma forte chuva caia sobre seu corpo. Uma chuva pesada que encharcava-lhe o corpo da cabeça aos pés. Quando finalmente voltou ao castelo os servos puseram se a correr buscando toalhas para secá-lo e preparando um banho quente com poções aromáticas.
Mais tarde, ao entardecer, enquanto meditava sentado em seu grande trono um mensageiro lhe foi anunciado e ao receber o homem notou-lhe o espanto no rosto.
Fandron
_Meu senhor... _Dizia o homem. _ Os soldados enviados a Stavianath como espiões regressaram. E senhor... “ele” está vivo. O príncipe Gamblior está vivo. Louvado sejam os deuses. Ele vive senhor.
_Sim. Resmungou o rei. _Nem mesmo a morte poderá impedir o herdeiro de Hellin-Odel.
O mensageiro não compreendia a falta de emoção do rei com a notícia da chegada do filho que supostamente havia sido executado.
_Meu rei, o que será feito de Guedron? Aquele que nos trouxe a falsa noticia de que o príncipe havia sido decapitado em praça pública em Stavianath? Trazendo-nos um temor e dor desnecessária? _Questionou o velho ancião, chefe bibliotecário que tinha por hábito seguir todos mensageiros, aproveitando se do livre acesso aos salões reais concedido a ele pela estima do falecido pai de Fandron.
_Envie ordem para que ele seja decapitado como falsamente alegou que meu filho estava._Dizia o rei.  _E que seja condenado ao mesmo destino todos aqueles que ousarem pronunciar que Gamblior está morto. Agora tragam meu filho, pois desejo revê-lo.

Apesar da alegria de todos  com a notícia de que o príncipe ainda estava vivo, a expressão facial de Fandron não coincidia com os fatos. Em seu rosto estava figurado a expressão de um homem triste e preocupado.

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