O dia amanheceu cinzento mais do que de costume. Fandron
acordou com a sensação de despertar de um pesadelo. Por várias vezes uma
sensação de desespero invadia sua mente.
“_Meu filho está morto. Meu amado filho.” _ O pensamento
não lhe saía da cabeça como se fosse as únicas palavras que conhecia. A imagem
do mestre mensageiro entrando na sala do trono com o rosto pálido e
entristecido ainda estava fixa em sua mente. Não sabia que horas fora dormir,
mas o sono não lhe trouxe descanso.
Fandron estava em silencio diante da mesa. Sequer tocara
na comida. Seus generais falavam eufóricos sobre como deveriam vingar a morte
do príncipe. Alguns defendiam a ideia de um ataque frontal e maciço aos muros
das principais cidades. Outros diziam para terem cautela, pois os exércitos
Stavianathos estavam avançando em direção ao reino. Vinham pela “estrada
verde”, passando pelas bordas de Linéfil.
_Alguns aldeões para lá da cordilheira relatou-me que os
povos selvagens estavam migrando para as montanhas. Isso quer dizer que
realmente um grande exército está avançando. _Comentou Helmer, um dos generais
mais velhos na mesa. O rosto severo e duro feito pedra não escondia lhe a
preocupação estampada na face.
_ Logo estarão no caminho das montanhas._Fez notar
Fayder, o mais robusto dentre eles.
_Devemos levar
nossos melhores homens para lá e quando eles chegarem, nós já estaremos os
esperando com as laminas prontas para lhes cortarem a carne.
_As estradas das montanhas possuem vários pontos elevados
com nossos arqueiros devidamente posicionados. Não tem como eles passarem por
lá.
_Eu discordo, Rycon. As flechas uma hora hão de acabar e
aí será questão de tempo ate matarem todos os arqueiros. Devemos é enviar
nossos homens para a estrada das montanhas e a atravessarmos para atacá-los
antes que eles cheguem até ela. Ganharemos com isso a vantagem do terreno
elevado. _ Berrou Fhuegor enquanto um fio de licor lhe escorria sobre a barba
loura e espessa.
O rei observava seus generais discutirem seus planos sem
nada dizer. De alguma forma ele sabia que aquele dia chegaria. O dia em que
teria de encarar a consequência de suas escolhas sem poder fazer nada a
respeito. Quando se levantou da mesa seus generais o encararam assustados.
_Desculpem-me companheiros, continuem sem mim. Preciso
descansar, pois não dormi bem esta noite.
O que se seguiu foi uma abundância de cumprimentos e
formalidades por parte dos generais.
O rei saiu do imenso salão em direção as galerias leste.
As galerias leste eram poucas vezes visitadas, pois ficavam em uma parte aonde
o brilho de Álax não chegava devido à sombra projetada da grande montanha ao
fundo do castelo. O rei caminhou por entre as frias fileiras de colunas feitas de
mármore e com detalhes em Tolnd prateado. Olhava para os lados como quem se
certifica que não está sendo seguido. Fandron passou por umas nove colunas depois
que atravessou o portão principal e caminhou uns vinte passos em direção ao
imenso jardim que se estendia a sua frente parando logo em seguida, aos pés de
uma imensa pedra cristal que brotava do chão por entre flores rasteiras e
gramas verdejantes.
_É verdade? Meu filho está morto?_ Perguntou o rei em voz
alta.
Logo um vulto apareceu no jardim revelando em seguida à
presença de um homem esguio coberto por um manto verde musgo. Seus olhos eram
sombrios como os olhos dos homens do deserto e suas feições possuíam o ar de
superioridade dos estudiosos da bruxaria.
_Tu já sabes a resposta, caro rei. _Disse o homem
afagando a escura barbicha. _O preço lhe foi cobrado. Sim seu filho está morto.
Seu filho está morto mais o outro ainda vive. O seu herdeiro legitimo ainda
vive. Ele sempre viveu. E agora que o destino acertou suas engrenagens, ele se
tornará uma lenda.
_Não sei se posso chamá-lo de filho. Não o vi crescer.
Não compartilhei suas alegrias e tristezas. Não o ensinei a lutar ou até mesmo
a moldar o Tolnd.
_Mas irá chamá-lo de filho. Sim. Tu irás. E ele liderará teus
exércitos rumo à vitória. Você esmiuçara Stavianath e a terá aos teus pés. Irás
controlar todo comercio de armamentos e ornarias em metais. Hellin-Odel será o
reino mais rico do continente. Pois assim o prometi e assim será.
Assim como apareceu o misterioso homem se foi. Como um
vulto ou uma ilusão que nunca realmente existiu.
Quando Fandron se deu por si, ele estava ajoelhado
apoiando sob o cabo de sua espada. Uma forte chuva caia sobre seu corpo. Uma
chuva pesada que encharcava-lhe o corpo da cabeça aos pés. Quando finalmente
voltou ao castelo os servos puseram se a correr buscando toalhas para secá-lo e
preparando um banho quente com poções aromáticas.
Mais tarde, ao entardecer, enquanto meditava sentado em
seu grande trono um mensageiro lhe foi anunciado e ao receber o homem notou-lhe
o espanto no rosto.
Fandron |
_Meu senhor... _Dizia o homem. _ Os soldados enviados a
Stavianath como espiões regressaram. E senhor... “ele” está vivo. O príncipe
Gamblior está vivo. Louvado sejam os deuses. Ele vive senhor.
_Sim. Resmungou o rei. _Nem mesmo a morte poderá impedir
o herdeiro de Hellin-Odel.
O mensageiro não compreendia a falta de emoção do rei com
a notícia da chegada do filho que supostamente havia sido executado.
_Meu rei, o que será feito de Guedron? Aquele que nos
trouxe a falsa noticia de que o príncipe havia sido decapitado em praça pública
em Stavianath? Trazendo-nos um temor e dor desnecessária? _Questionou o velho
ancião, chefe bibliotecário que tinha por hábito seguir todos mensageiros,
aproveitando se do livre acesso aos salões reais concedido a ele pela estima do
falecido pai de Fandron.
_Envie ordem para que ele seja decapitado como falsamente
alegou que meu filho estava._Dizia o rei. _E que seja condenado ao mesmo destino todos
aqueles que ousarem pronunciar que Gamblior está morto. Agora tragam meu filho,
pois desejo revê-lo.
Apesar da alegria de todos com a notícia de que o
príncipe ainda estava vivo, a expressão facial de Fandron não coincidia com os
fatos. Em seu rosto estava figurado a expressão de um homem triste e
preocupado.