Crane e Adrien estavam um ao lado do outro,
montados em suas montarias de combate. De cima da colina podiam ver todo o campo
verdejante antes das muralhas de Shadarph. Eles haviam reconquistado inúmeras
cidades no retorno para a sua cidade natal. Somente agora eles compreenderam
porque não tiveram grande resistência nas outras cidades. A maior parte do
exercito markdeno estava em vigília em Shadarph. Das batalhas anteriores até o
momento, um bando de sobreviventes juntou se a eles. Muitos haviam perdido suas
casas e seus familiares e o desejo de lutar contra os markdenos era ampliado
por algo mais além de fidelidade aos príncipes de Stavianath.
_Não a
marcas de cerco ao redor dos muros. –Observou Crane.
_O exército
Markdeno sempre foi aliado. Ninguém esperava essa traição. Concluiu Adrien
enquanto apertava a fivela do cinto da sua espada longa. Seu cabelo estava
amarrado em um longo rabo-de-cavalo que caia sobre suas costas junto com a capa
cinza que cobria seu peitoral de aço duplo.
_Os malditos
chegaram como aliados. Devem tê-los deixado entrar. Essa é a única explicação.
Crane estava com o rosto cerrado e seus cabelos negros esvoaçavam diante de
seus olhos encolerizados. Suas mãos seguravam com força o cabo do machado de
guerra.
Atrás deles
um exército de dezoito mil homens e algumas mulheres guerreiras estava de
prontidão.
Os dois príncipes logo souberam das cabeças cravadas
em estacas acima dos portões da cidade. Eram as cabeças de nobres e senhores de
Shadarph. Ambos sabiam que a cabeça de seu pai estava entre elas. Mas não
choraram. Não havia mais lágrimas. Apenas o desejo de vingança. No alto da
muralha havia três vultos. Sabiam que um deles era Keiran Dehildren. O maldito
havia vindo de Markden para tomar posse de sua vitória. Os outros dois eram
desconhecidos para eles.
_Devemos
atacar com tudo. Somos mais numerosos. Podemos invadir a cidade. Faremos
aríetes e derrubaremos os portões. –Falava Crane sem pensar muito.
_Não se
afobe irmão. –Disse Adrien colocando as mãos no ombro do irmão enraivecido.
Eles possuem a muralha a seu favor. Além do mais muitos de nossos guerreiros
ainda não se recuperaram das batalhas anteriores.
_O que estou
dizendo? –Surpreendeu-se Crane. _Nunca pensei que atacaria as muralhas de minha
própria cidade.
_Vamos nos
reunir com os generais. Devemos tentar encontrar algum termo para enviarmos a
Keiran. Falou por fim Adrien dando meia volta com o cavalo e retornando para
junto do seu exército.
Já era tarde
quando eles reuniram os mais de
Cinquenta
líderes em uma imensa cabana improvisada para a reunião.
_Eles não
são mais que doze mil homens. –Dizia um dos líderes. _A maior parte do exercito
ainda continua nas terras de Markden.
_Também não
somos um exercito completo. Deixamos nove mil soldados com o príncipe Cron.
_Foi
necessário. Foi a bravura de Cron que garantiu o nosso retorno.
_De que
adianta termos retornado se ficamos aqui parados enquanto nossos filhos são
mortos e nossas mulheres violadas dentro das muralhas? –Resmungou um dos homens
que possuía uma longa barba negra e braços fortes apoiados em uma imensa
barriga.
_Não diga
tolices, porco. Sou de Salamphor e vi mulheres serem estupradas, velhos serem
mortos. Ainda assim nossas altezas Crane e Adrien nos libertaram. A mulher que
falava era selvagem e bela. Tinha músculos como um rapaz, mas suas curvas
femininas eram acentuadas. _Luto por eles porque confio nas estratégias de
combate deles. A força bruta não vale nada se não houver inteligência para
empenhá-la.
_Falou bem
mulher. Não questiono mais nada. Concordou o homem gordo de barbas longas.
_Eu não pude
deixar de notar que muitos mercenários do deserto estão lutando com os markdenos.
_São
mercenários. Mas porque Keiran contrataria mercenários do deserto para lutarem
com eles? Eles são inimigos declarados.
_Éramos
aliados. –Interrompeu Adrien. _Agora somos inimigos. Vamos enviar um
mensageiro. Temos que ouvir o que Keiran tem a dizer.
_ Eu posso
ter a honra senhor? _Disse um jovem que parecia ter infiltrado na reunião.
_E quem és
tu jovem? –Perguntou Crane.
_Sou Eikhen,
filho de Haimirich.
_Você não
passa de um escudeiro jovem.
_Mas também
sou um homem estudado senhor. Sei ler e escrever e sou habilidoso com as
palavras, meu senhor.
_Não sei se
tu estás qualificado Eikhen.
_Meu senhor.
Confesso que não sou um bom espadachim. Ainda assim estou disposto a lutar. Mas
empenharei um papel melhor na batalha se em vez da espada eu possa utilizar as
palavras. Prometo descobrir o que Keiran pretende. Por favor, meu senhor. Uma
daquelas cabeças acima dos portões pertencia a meu pai.
A última
frase do jovem cativou o príncipe que com o apoio de Adrien consentiu.
A estrela
Álax brilhava onipotente nos céus quando o jovem Eikhen desceu a colina
galopando em um corcel branco. Em sua mão direita estava a haste da bandeira
com os símbolos de trégua e paz. O jovem possuía um semblante orgulhoso no
rosto. Os raios de Álax refletiam na armadura prateada que ele ganhara do
príncipe Adrien e o vento fazia esvoaçar sua capa branca.
Ainda do
alto da colina Adrien e Crane observavam o rapaz cavalgar em direção à cidade.
Eles não entenderam muito bem quando o rapaz pareceu diminuir a velocidade e
começar a fazer voltas com a montaria como quem procura algo no chão.
No alto da
muralha as três figuras ainda observavam paradas quando o jovem deu meia volta
na montaria e começou um galope veloz de retorno para as colinas. Logo centenas
de figuras apareceram no alto da muralha e um rompante de flechas cruzaram os
céus em direção ao jovem. Ao ver o zumbido acima de si o jovem empenhou se mais
ainda em seu galope frenético. Flechas cravejaram seu corpo e o jovem caiu. O
próprio Adrien apanhou um escudo de corpo e antes que alguns de seus homens
pudessem intervir saiu a galope com seu corcel em direção ao jovem caído, que
mesmo ferido, havia se erguido e andava em direção as colinas. As flechas já
não o alcançavam mais quando Adrien o apanhou e o colocou na sua montaria.
Quando chegou ao alto da colina o jovem já se encontrava morto. Mas Adrien
notara que a capa do jovem estava encharcada com algo.
_Óleo.
–Afirmou Adrien.
_O que?
–Questionou seu irmão.
_O vale está
cheio de poças de óleo. Esses loucos queriam incendiar nossa infantaria.
_Canalhas.
Não percebem que o fogo pode incendiar a muralha também caso fique
descontrolado devido ao vento?
_Eles não
parecem se importarem irmão. Vamos. Temos que pensar em algo.
Era noite quando um dos vigias aproximou gritando
para os príncipes.
_Senhores,
eles abriram. Abriram os portões da cidade.
_O que?
Logo os
irmãos viram que era verdade. Centenas de coches puxados por bois começaram a
sair da cidade. Em cima deles haviam celas abarrotadas de pessoas. Ao redor
também havia várias pessoas que corriam desajeitadas.
_O que estão
fazendo? Estão libertando os reféns?
_Se estão
libertando os reféns porque eles ainda estão presos uns aos outros com grilhões
de metal?
_Não.
Balbuciou Adrien.
Estavam
muito longe e era noite para que alguém pudesse ter visto algo, mas Adrien
sentiu que um número de vultos se enfileirou em cima da muralha.
_Não...
Não... Não...
Logo a
muralha estava toda iluminada com tochas flamejantes dançando ao vento.
_Não. Não.
Não. Não. Todos começaram a lamuriar.
Lá embaixo
os bois puxavam os coches lentamente. Entre os andantes a pé havia velhos e crianças
que corriam tropeçando uns nos outros. Quando caiam puxavam outro, pois estavam
presos uns aos outros. O terreno escorregadio dificultava mais ainda.
Por um
momento o céu se tornou claro como dia e uma chuva de estrelas pareciam cair.
As flechas incendiárias caíram no solo e uma explosão flamejante tomou conta de
todo o vale. Duas mil vozes suplicantes uniram se aos lamentos dos guerreiros
que largaram armas e correram loucamente em direção as chamas para tentarem
libertar os prisioneiros que eram queimados vivos.
_NÂÂÂÂOOO.
Meu povo. Tenho que salvá-los. –Crane correu com olhos lacrimejados e mergulhou
nas chamas em um ímpeto de loucura. Muitos foram os guerreiros que o seguiu
para dentro das chamas.
Os gritos
agonizantes martelavam na cabeça de Adrien. Ele olhava em direção as chamas,
mas seus olhos estavam vagos.
_Senhor?
Quais são suas ordens? Senhor? Meu príncipe? – Perguntava a mulher de
Salamphor. _ Temos que sair daqui meu príncipe. Os Hellin-Odelianos estão atrás
de nós. Estamos encurralados entre as chamas e o inimigo.
Adrien permanecia imóvel. Paralisado como uma
estátua. _Seu corpo vive, mas sua mente
já morreu. –Concluiu a mulher.
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