Durkan estava inquieto em seu
aposento particular oferecido pelo rei Cronder durante sua estadia em
Stavianath. Um salão enorme e aconchegante. Com tapetes de peles de leopardo no
chão, incensos aromáticos pairando no ar e cortinas brancas com belas imagens pintadas
a mão por famosos artistas markdenos. Ao lado direito do recinto, entre duas
pilastras douradas, duas mulheres mulatas se divertiam entre risinhos
amontoadas em almofadas de plumas de ganso e lençóis de seda. Seus corpos brilhavam
devido o óleo perfumado que havia sido passado por elas mesmas. Os olhos
amendoados e os lábios carnudos eram um convite para o prazer. Prazer que
Durkan parecia desprezar naquele momento. Agarrado em sua taça de vinho, bebia
cada gole com mais ânsia que o anterior.
_Venha para junto de nós meu
senhor. – chamou Zíbia, a moça mais alta dentre as duas concubinas de Durkan.
_Sim, meu amado. Nós estamos
ardendo de desejo. –Falou a outra com a voz sibilante. Monnah era seu nome.
Possuía os olhos levemente puxados e argolas douradas nas orelhas.
_Pois que ardam nos infernos de
Bel. –Vociferou Durkan. _Saiam daqui. –disse com a voz carregada de desprezo.
As duas levantaram correndo e
envergonhadas dirigiram se a porta. Do lado de fora encontraram o gigante Drurkali,
imóvel como uma estátua, ao lado da porta. Ele olhou para as moças com um olhar
piedoso. Embora somente quem o conhecesse de longa data teria percebido.
De frente a uma enorme janela com
vista para a muralha antes do mar, Durkan permanecia vislumbrando a vista da estrela
Álax se pondo no mar. Era o fim de um dia rubro. O seu inimigo havia sido morto
naquela tarde e a mulher que ele tanto havia desejado havia sido vingada. A
“justiça” havia sido feita. Mas porque então aquela estranha sensação que
parecia lhe embrulhar o estômago?
Durkan que estava com o dorso nu,
passou a mão na enorme ferida em seu peito que estava por findar o período de
cicatrização. Começou a relembrar da noite em que Gamblior assassinara Kathrina.
Tentara impedi-lo de fugir, mas o golpe que sofrera havia sido grave. Quando
Drurkali chegou e pôs a socorrê-lo, tentou ordená-lo para perseguir o
assassino, mas suas palavras saíram apenas como balbucios inteligíveis. Pela
manha, mesmo com a reprovação dos médicos e de seu curandeiro particular, partiu
em viagem junto com os irmãos de Kathrina para capturar Gamblior. Quando eles
encontraram Gamblior e seus soldados, lutou contra a guarda de Gamblior e matou
muitos soldados. Estava possuído pela fúria. Sua ferida reabrira no calor da
batalha e ele nem percebera. Quando retornaram para Stavianath com Gamblior
como prisioneiro, sentia dores terríveis. Teve que ficar de cama por dias
lutando contra a febre que o assolou. Quando os irmãos de Kathrina partiram
para pelejar contra os Hellins não pode ir, pois estava prostrado numa cama.
Durkan foi acordado de seu
devaneio com o som de uma discussão que vinha do corredor. Ao abrir a porta viu
Drurkali segurar uma moça pelo pescoço e praguejar contra um homem corpulento
enquanto outro homem já rolava no chão de dor devido a um golpe que lhe fora
desferido no abdômen. Logo percebeu se
tratar de Andivari e seus companheiros.
_Eu disse que ninguém vai passar!
–gritou Drurkali arremessando a moça em cima de Andivari que com maestria
apoiou o corpo da jovem e conseguiu impedi-la de se chocar contra o chão.
Vladslav que se recuperava do golpe que
recebera no abdômen, levantara do chão e já possuía a espada em riste nas mãos
quando por fim Durkan interveio.
_ O que está acontecendo aqui?
_Eles queriam incomodá-los meu
senhor. O jovem loiro quis passar por mim e eu o impedi. –respondeu Drurkali
com sua voz de trovão. –Ninguém passará a não ser que o senhor permita.
_Você precisa saber ouvir umas
verdades maldito. – vociferou Vladslav.
_Não fale comigo como se eu você qualquer
um, seu carrapato de vira-latas. –Durkan ergueu o peito como um galo de briga
enquanto falava. –Eu sou Durkan, príncipe de Cananor, filho de Hurlan, Rei das
dos mares de areias e de sal. Não permitirei ofensas vindas de ninguém. Fale
assim de novo e o enforcarei com minhas próprias mãos.
_Veremos então... cana.. .
_Parem. –gritou Andivari
intervindo. –não viemos aqui para pelejar. Apenas queremos esclarecer algumas
questões. Pois enfrentamos o perigo em florestas sombrias para inocentar
Gamblior e nem ao menos esperaram por nossa chegada.
Refletindo nas palavras que
soaram como um pedido de compreensão e notando uma cicatriz que Andivari agora
trazia no rosto, Durkan finalmente acalmou-se e disse:
_Deixe que Andivari entre. Os outros
dois aguardem aqui fora. –virou as costas e adentrou no seu quarto.
_Senhor... Murmurou Verbena, a
moça que havia sido arremessada por Drurkali.
_Tudo bem Verbena. Fique aqui com
Vladslav e me aguardem.
Quando Andivari passou pela
porta, Drurkali se pôs na frente da porta como uma muralha negra.
Durkan estendeu a mão até um odre
de vinho e serviu uma taça ornamentada com joias e após estendê-la a Andivari
completou sua própria taça.
Então... o que verdadeiramente
vieres procurar aqui?-perguntou o Cananor. –Sabes que o que eu tinha de dizer
eu já disse no julgamento.
Esse julgamento foi injusto. –protestou
Andivari. –Vocês não deram o direito ao...
_Injusto? –Gritou Durkan. –vou te
falar de injustiça. Injustiça foi aquele animal tirar a vida da bela Kathrina.
Uma jovem cheia de vida. Injusto é quando todo o povo de uma nação sofre a
perda de uma amada e bondosa princesa... eu... amava aquela mulher.
_Amava? –questionou Andivari
falando ao mesmo tom de Durkan. – O que sabes de amor? Estava agora a pouco
rodeado de mulheres. Sempre esteve. É bem sabido em todos os reinos que possui
mais esposas do que se pode manter em um único castelo. Falas-me de amor, mas
tudo o que via na adorável Kathrina era a aparência. Mas meu caro, a aparência é
passageira. Seja ela bela ou feia. É quando a morte come a carne de nossos
ossos é que vemos que somos todos iguais. Mas Gamblior... -entristeceu ao pronunciar
o nome do falecido amigo. – esse sim amava Kathrina. Viajei com ele durante
dias e todas as manhas ele falava de Kathrina. Contou-me suas historias de
amor. Ele não tinha olhos para outra mulher. Havia muito tempo que eu não via
aquele olhar. Olhar de quem ama. Mas o que ocorreu com ele foi uma injustiça. A
sim, uma injustiça digna de ser chamada de ira dos deuses. Não bastasse a dor
da perda de seu amor ainda é acusado de assassiná-la. Diga-me Durkan?! –Andivari segurou o pescoço de Durkan e o apertou contra a parede. Nós fomos atrás de
Lecain, aquele que possui a visão do passado e do futuro. –Andivari aumentava a
voz à medida que falava. – Ele disse que você estaria confuso e atormentado por
algum fantasma em sua mente. Esse fantasma seria a resposta. Diga o que tem lhe
atormentado? Diga.
Andivari vociferava alto e espuma
escorria de sua boca. Durkan estava atônito. Olhou o rosto de Andivari que possuía
uma recente ferida que lhe cortava a face do alto da testa até abaixo do nariz,
no lado esquerdo. A ferida possuía uma vermelhidão dolorosa até de vê. _A
cicatriz... –balbuciou por fim.
_O que tem ela? Eu a ganhei
enfrentando uma criatura na floresta. –Comentou Andivari sem soltar o pescoço
de Durkan. –enquanto buscávamos por Lecain. Não mude de assunto Cananor. O que
o atormenta?
Durkan de um forte empurrão em
Andivari o obrigando a largar lhe o pescoço. Deu um gole no vinho e começou a
dizer. _A cicatriz... -sentou se numa cadeira. –lembro-me que na noite que
Kathrina foi assassinada eu lutei contra seu assassino. Estava escuro, mas eu
reconheci a fisionomia de Gamblior. Era ele, eu sei. Eu o ataquei com minha
corrente. As três pontas mortíferas cortaram o ar em sua direção. Lancei as em
sua direção como sempre fiz. Miro o seu rosto para tirar lhe os reflexos com
uma ponta e com as outras duas miro seus órgãos vitais. As três pontas o
acertaram. Uma no peito e outra no abdômen. Mas não foram fatais. Ele conseguiu
desviar...
_A terceira ponta? A que foi
direcionada ao seu rosto?- questionava Andivari-.
_O acertou. Teria deixado uma
cicatriz como esta sua. –Confessou Durkan.
_Mas em momento algum Gamblior
apresentou cicatrizes no rosto. –Falava Andivari indignado. Não é mesmo?
Nesse momento ouve um estrondo
vindo da rua. Os dois se entreolharam. Ouviram gritos e cascos de cavalos
batendo forte no chão de pedra. Muitos cavalos.
Do lado de fora Drurkali estava
confuso com a chegada escandalosa de um pequeno homenzinho de cabelos vermelhos
e feições quase que femininas para seu gosto.
_Vesser, o que está acontecendo? –perguntou lhe
Verbena.
_O jovem mestiço de humanos com
os senhores do ar estava mais pálido do que o naturalmente era.
_Acalme-se. –Vladslav já estava
ficando impaciente.
Vesser Guntz estava arfando nas palavras quando por fim
conseguiu falar. _Nas ruas, soldados para todos os lados. Matando, pilhando e
saqueando. Não estão poupando nem crianças. –seus olhos estavam lacrimejados de
pavor. Por fim, concluiu. _Estamos no meio de uma guerra.
Dentro do aposento Andivari e
Durkan olhavam fixos para as ruas do auto da sacada. Correria, gritaria e explosões.
Sangue, morte e dor. _Guerra. –murmurou Andivari.